Porque afirmamos que a cruz/morte de Jesus Cristo é salvadora?

Quando falamos que Jesus venceu a morte, a primeira ideia que nos vem à cabeça é a da Ressurreição, pois foi assim que aprendemos em nossa catequese.  A cruz nos salvou pela entrega de Cristo e recebemos, assim, a remissão dos nossos pecados pelo sangue do cordeiro imolado.  Reconhecemos que essa leitura é muito importante dentro de uma pregação romântica do Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo; contudo, será abordado, nesta reflexão, um outro olhar em relação à ideia de vencer a morte.  Para fomentar essa hipótese começaremos citando uma passagem dos Atos dos Apóstolos, onde os discípulos estão sendo acusados de pregar em nome de Jesus e por isso aguardam uma sentença:

O Deus de nossos pais suscitou Jesus, a quem vós matastes, pregando-o numa cruz.  Deus, porém, por seu poder, o exaltou, tornando-o Líder e Salvador, para propiciar a Israel a conversão e o perdão dos seus pecados.  E disso somos testemunhas, nós e o Espírito Santo, que Deus concedeu àqueles que lhe obedecem”.  Quando ouviram isto, ficaram furiosos e queriam matá-los.  Então levantou-se, no Sinédrio, um fariseu chamado Gamaliel, mestre da Lei e estimado por todo o povo. Ele mandou que os acusados saíssem por um instante.  Depois falou: “Homens de Israel, vede bem o que estais para fazer contra estes homens.  Algum tempo atrás levantou-se Teudas, que se fazia de importante, e a quem se juntaram cerca de quatrocentos seguidores: ele foi morto, e todos os que o seguiam debandaram. Nada restou.  Depois dele, no tempo do recenseamento, surgiu Judas, o galileu, que arrastou o povo atrás de si. Contudo, também ele morreu e todos os seus seguidores se dispersaram.  Quanto ao que está acontecendo agora, dou-vos um conselho: não vos preocupeis com estes homens e deixai-os ir embora. Porque, se este projeto ou esta atividade é de origem humana, será destruída.  Mas, se vem de Deus, não conseguireis destruí-los. Não aconteça que vos encontreis combatendo contra Deus!” Os membros do conselho aceitaram o parecer de Gamaliel. (At 5, 30-39)

            Gamaliel tomado por uma sabedoria divina interpela os membros do Sinédrio fazendo-os lembrar de tantos outros que, como Jesus, criaram suas seitas, mas que, logo após suas mortes, seus seguidores a debandavam.  O ponto alto dessa passagem é a astúcia argumentativa de Gamaliel, o que nos faz reconhecer nele um homem guiado por Deus.  Ele diz: “Mas, se vem de Deus, não conseguireis destruí-los. Não aconteça que vos encontreis combatendo contra Deus!”
            Sendo Paulo discípulo de Gamaliel observamos sua preocupação em não deixar apagar a memória do Cristo Ressuscitado.  Cito inicialmente Paulo, pois, em verdade, suas cartas foram as primeiras a serem escritas; o que nos faz perceber, também, a possibilidade dos Evangelhos terem sido escritos à luz dessas cartas.  Outro fato importante que assegura a memória desse líder judeu é a ceia que antecedeu a sua morte; as últimas palavras são: “Fazei isto em memória de mim.” Lendo os Atos dos Apóstolos percebemos que há uma grande preocupação em manter a memória acesa, ou melhor, o Espírito Vivo.  Por esse motivo observamos a manifestação de fé em seu momento máximo em Pentecostes, pois a ausência de Jesus estava abalando muito a fé dos discípulos naquele momento. Gamaliel já havia profetizado a esse respeito.
            Não podemos, também, deixar de citar é o que representava a morte na cruz. Sabemos que a maior vergonha, naquela época, para uma família era um membro ser morto na cruz; este passava a ser esquecido e seu passado apagado.  Mas tarde a morte na cruz tornou-se uma febre, a quantidade de crucificados depois de Cristo aumentou. Jesus diz a Pedro que ele o negará. Enquanto humanos, podemos, nitidamente, perceber a impossibilidade de alguém que, fora o amor vivido por Cristo, conseguisse passar por toda aquela tortura e vergonha.  Jesus sabia o que o esperava, tinha ideia do seu destino, por isso tinha certeza de que Pedro negaria o conhecer.
Poderíamos ainda citar outras passagens e reflexões que nos levassem a perceber que o caminho para a seita de Jesus era a do esquecimento e dispersão de seus integrantes.  Contudo, isso não ocorreu.  Paulo, acordado pela luz da verdade de Cristo, convertido, segue e toma as rédeas do Cristianismo. Sabendo que o grande perigo de uma religião é a morte de seu líder (ensinamento de Gamaliel) ele passa a centralizar a fé do povo na certeza da Ressurreição; “Jesus está vivo entre nós”.

Chegaram a uma propriedade chamada Getsêmani. Jesus disse aos discípulos: “Sentai-vos aqui, enquanto eu vou orar”. 33.Levou consigo Pedro, Tiago e João, e começou a sentir pavor e angústia. 34.Jesus, então, lhes disse: “Sinto uma tristeza mortal! Ficai aqui e vigiai”! 35.Jesus foi um pouco mais adiante, caiu por terra e orava para que aquela hora, se fosse possível, passasse dele. 36.Ele dizia: “Abbá! Pai! tudo é possível para ti. Afasta de mim este cálice! Mas seja feito não o que eu quero, porém o que tu queres”. (Mc 14, 32-36)

A vida e obra de Jesus chegam ao seu ponto máximo no Monte das Oliveiras.  A oração do Pai Nosso iniciasse com a confissão de fé proclamada por Cristo, quando a sua fragilidade humana não o fez suportar, por si, tomar do cálice oferecido (Lc 22, 39 – 46).  Nós, cristão, devemos receber essa experiência de fé em nossas vidas, entregando a Deus o nosso caminho sempre que a “sarx” apresentar-se como algoz do projeto divino se libertação e salvação.  Desta forma, O Monte das Oliveiras tornou-se o nosso maior dilema enquanto cristãos, no momento em que Cristo, deixou-se entregar às autoridade.
Dessa forma, podemos identificar, neste momento, três etapas no processo de salvação.  A primeira é a própria vida e obra de Jesus, que tendo suportado a carne, viveu a plenitude do amor-serviço, mantendo-se íntegro, integrado e integrador através do relacionamento pleno com o Pai, a sociedade e consigo mesmo. A sua vida, por si, é salvadora.  A segunda etapa é a experiência no Monte das Oliveiras, onde a sua confiança em Deus chega ao ápice da sua experiência humana; Jesus diz: “Seja feita a sua vontade”.  O dia que entregarmos o mundo a vontade de Deus, tudo estará salvo.  A terceira etapa é o escândalo da crucificação.  Como afirma Paulo, a loucura da Cruz (1 Cor 1, 18).  
Contudo, a vitória de Cristo dar-se-á juntamente na forma da sua entrega.  Em verdade, podemos afirmar que o escândalo da morte de Jesus foi quem retirou da cruz o seu escândalo. Séculos depois a Igreja tornou a cruz mais do que um alegoria para o cristão, tornou-a, por ter sido a certeza da consumação, entrega e amor de Jesus pelos homens, o símbolo da vitória de Deus sobre o pecado.  João disse: “Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a própria vida por seus amigos” (Jo 15,13).  A Vitória de Cristo sobre a cruz se dá justamente no momento em que mesmo reconhece em Deus a sua força.  O Deus anunciado no salmo 23 está ao lado de Jesus.  Assim sendo, a cruz passa a ser para nós, Cristãos, também a prova de que Deus é solidário em nosso sofrimento e que diante das nossas dificuldades Ele é a esperança que não decepciona (Rm 5).

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