Algumas palavras devem ser
inicialmente apontadas como formadoras desse sinal de Deus em nossas vidas, a
saber: amor, renúncia, partilha, entrega, felicidade, renovação, unidade,
memória, fé e esperança. Na Eucaristia celebramos o Mistério Pascal de Cristo,
a Nova Aliança de Deus com o seu povo.
O pão é um dos maiores
“símbolos” da vida e de resistência para o povo hebreu; as passagens no Antigo
Testamento nos revelam essa verdade. Em Gênesis cap. 28, v. 20-21 Jacó faz um
voto de fidelidade a Deus, e em troca só Lhe faz três pedidos: pão, roupa e
paz. Mais tarde, no Egito, depois dos sete anos de fartura, como anunciado por
José, viriam sete anos de fome, mas a fome não alcançou o Egito, pois
acreditando nas palavras de José, foram guardados cereais; e o Egito teve pão
para servir-lhes de alimento durante os anos de escassez fome (Gn 41, 53-54).
A preparação do povo para a
liberdade ficou, também, sacramentada pelo pão, agora, sem fermento: “E Moisés
disse ao povo: Lembrai-vos deste mesmo dia, em que saístes do Egito, da casa da
servidão; pois com mão forte o SENHOR vos tirou daqui; portanto não comereis
pão levedado” (Ex 13, 3). Podemos, também, citar o pão da proposição que, mais
do que uma oferta, era a presença de Deus à mesa, o maná que caía dos céus etc.
Essas e tantas outras
passagens nos orientam para a importância, não, apenas, material, mas
espiritual, do pão, na tradição hebraica.
Saindo do Antigo para o Novo Testamento temos uma nova ideia de pão, não
menos material, porém com uma amplitude espiritual mais ousada. O pão passa a
ser o maior símbolo e prática da justiça social; nasce a Eucaristia, o
“paráclito de Jesus de Nazaré”.
Anselm Grüm (2006, p. 78)
nos dá está amplitude Eucarística ao dizer que:
O Pão
significa tudo aquilo de que temos fome, de que nos alimentamos, de onde e de
que podemos viver. O pão nos conforta no dia-a-dia. (...) Jesus identifica o
pão, que ele reparte, com a carne que ele dá para a vida do mundo. Ele vem a
ser o pão que nos alimenta justamente quando está pregado na cruz. É um
paradoxo que nos provoca: alguém que está morrendo, se torna alimento para os
vivos. Esse paradoxo, não obstante, corresponde à nossa experiência. Quando
alguém se entrega por nós incondicionalmente, como fez Jesus na cruz, podemos
viver disso, então isso passa a ser para nós um alimento que nos sustenta em
todas as necessidades da vida.
O Evangelho de João nos
apresenta sete sinais. O primeiro é o sinal da transformação. Nas Bodas de
Caná, quando o vinho acaba, ou seja, alegoricamente, quando a relação do povo
com Deus está se esgotando, ficando sem sabor, o autor introduz Jesus como
aquele que vem trazer um vinho novo. E ainda melhor do que o de antes. Aprendemos que os símbolos do sacramento são
os responsáveis em tornar visível tudo aquilo que acontece no plano invisível,
e tentam de alguma forma, representar, ou seja, criar uma analogia entre os
dois mundo. Se o vinho alegra o homem,
então Jesus é esse novo vinho, aquele que veio dar novo sabor a vida do judeu,
em sua relação com Deus e com os homens. Assim, torna-se perfeita a relação de
corpo e sangue, transignificados à imagem do pão e do vinho; elementos que,
quando consagrados, tornam-se o próprio Cristo entregue por nós. Temos, assim,
na Eucaristia, os dois grandes elementos: o pão e o vinho.
Dessa forma, entendemos que
Jesus é o alimento para o nosso corpo e nosso espírito; o Pão da Vida que
satisfaz o nosso anseio por justiça, igualdade e liberdade; amor que se faz
presente através da própria carne e do próprio sangue. Jesus é o sacerdote, o
cordeiro e o templo; e esta é a certeza que acompanha o apóstolo Paulo em sua
missão a Corinto.
Corinto era uma comunidade
formada por várias nacionalidades e culturas. Paulo tem a missão de levar a
unidade para essa comunidade tão plural; junto a isso, reconstruir o conceito
verdadeiro de Eucaristia, pois o povo tinha reduzido a ceia do Senhor a um
“grande banquete hipócrita” (1 Cor 11, 17-22). Com base na orientação de Paulo
àquela comunidade, delinearemos as exigências fundamentais para que a
Eucaristia seja autêntica.
Iniciamos a reflexão
mostrando a importância da figura do pão para o povo de Deus; em seguida
asseveramos a vida que se cumpre através do corpo de Jesus, apresentado na
ceia, como o pão da vida e sacramentado pela Sua entrega à cruz. A missão de
Paulo é, também, a nossa missão; não deixar que este sacramento se resuma ao
“recebimento da hóstia” ou a uma grande comemoração de ação de graças; pois a
Eucaristia é uma ação contínua, e não momentânea; é um modo autêntico de ser,
mais do que ser; estar sendo. Jesus disse: “Fazei isso em memória de mim” (Lc
22, 19).
Mais do que motivar uma
tradição religiosa, Cristo deseja que nós assumamos esta postura Eucarística em
nossa vida; vivendo em eterna partilha com nossos irmãos, comunhão que não se
limita a um instante sagrado, mas que torna sagrado cada instante da nossa vida
em Cristo. No versículo 18, percebemos uma espécie de segregação na ceia do
senhor, talvez, divisões de classes sociais; “Antes de tudo, ouço dizer que,
quando estão reunidos, há divisões entre vocês” (1 Cor 11, 18). Em seguida, no
versículo 21, Paulo aponta outro delito, algumas pessoas que se atrasam para
ceia, ao chegar, não conseguem comer, pois a ceia já foi consumida. “Enquanto
um passa fome, o outro fica embriagado”.
A partir da Carta de Paulo
aos Coríntios, podemos perceber que a autenticidade da Eucaristia e seu real
sentido é desenvolver no homem a partilha (1 Cor 11, 33) e a unidade (1 Cor 12,
12); e que seus cumprimentos não se limitam a um instante ou momento de
preceito (1 Cor 11, 27-28), mas, sendo a Eucaristia a nova e eterna aliança,
cumpre-se na formação de uma sociedade justa e igualitária. Por isso, a
Eucaristia precisa ser vivenciada em nosso dia a dia, para que a celebração da
Ceia do Senhor não seja vista, apenas, como uma comemoração ou formalidade, mas
sim, como um marco transformador da nossa vida na e em comunidade;
transformação que nos liberta e salva por meio do Evangelho do amor de Nosso
Senhor Jesus Cristo.
Daniel G. Ribeiro
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