A Igreja a partir das eclesiologias bíblicas de Paulo, Mateus, Lucas, João e Maria. 


As eclesiologias bíblicas em referência anunciam a vida e obra de Jesus de Nazaré e a sua presença na nova comunidade de fé que vai se delineando a partir de Pentecostes (At 2, 1-4), quando os discípulos de Jesus, impulsionados pelo Espírito de Deus, conseguem vencer o medo e a aparente derrota da cruz para continuarem a obra que lhes foi confiada pelo Mestre (Mt 28, 19).
       Essas eclesiologias são cristocêntricas, tendo em comum a certeza da Ressurreição de Jesus Cristo, pois são pós-pascais. Elas são pneumatológicas, surgidas e animadas pela ação do Espírito Santo, enviado no dia de Pentecostes. São comunidades que, à medida que vão testemunhando os sinais do Reino de Deus anunciados por Jesus, vão praticando o Querigma; vão colocando os dons e os carismas a serviço do bem comum e o Reino anunciado por Jesus, e vão compondo, ao longo dos anos, uma nova doutrina que, aos poucos, irá se identificando como católica. Os textos do Novo Testamento, mesmo tendo sido inspirados pela presença unificadora e vivificante do Espírito Santo, apresentam, porém, algumas diferenças, de acordo com as comunidades para onde foram escritos; a quem se destinaram.
       O Evangelho de Mateus foi escrito para uma comunidade de judeus cristãos. Por isso as referências ao Antigo Testamento são recorrentes neste Evangelho. Mateus, para que os judeus não se sentissem excluídos da nova comunidade, inicia o seu relato com Abraão (Mt 1, 1-16) e aponta Jesus como o novo Moisés, enquanto que Lucas universaliza Jesus,  ampliando a sua genealogia até Adão (cf. Lc 3, 23-38).   Há na teologia de Mateus um propósito de incluir também os gentios, já que os judeus rejeitaram Jesus. É o texto mais eclesial, porque dá informações e orientações acerca da igreja nascente. Mateus não “separa o tempo da vida de Jesus do tempo da comunidade, como faz o evangelista Lucas” (Encontro com a Igreja de Jesus Cristo, p.49). Apresenta a organização apostólica que tem à sua frente o apóstolo Pedro (cf. Mt 16, 18).
       A comunidade de Lucas, diferente da mateana, é composta pelos gentios e marcada pela forte presença de mulheres (Cf Lc 8,1-3).  Lucas relata no evangelho a história de Jesus e, nos Atos dos Apóstolos, a história das primeiras comunidades cristãs. Nos Atos, fica claro o nascimento da nova comunidade, impulsionada pela força do Espírito Santo (At 1, 8) e pela ação heróica do apóstolo Paulo.
       A eclesiologia de João é marcada, sobretudo, pela prática do amor. O evangelho anunciado por João revela no capítulo 15 que a “Espiritualidade, afetividade e fecundidade constituem a base da experiência eclesial” (Encontro com a Igreja de Jesus Cristo, p.61). O vínculo do zelo amoroso é apresentado por João através das parábolas do “Bom Pastor” (cf. Jo 10, 1-17) e da “Vinha” (Cf. Jo 15, 1-17). Há um personagem anônimo, o discípulo amado que se mostra sempre amoroso e fiel (Jo 13, 23-24). Outra diferença marcante encontra-se em relação à Ceia do Senhor. João explicita no relato do Lava-pés a diaconia, como a grande lição para o seguimento a Jesus (Jo 13, 1-17). 
       A eclesiologia paulina difere das outras, pelas fortes e claras imagens que ela ressalta, mais do que pelos conceitos. A Igreja nascente é o Povo de Deus unido num só Senhor, numa só fé, num só batismo (cf. Ef 4, 5), é o Corpo de Cristo alimentado pela comunhão eucarística (cf. At 2, 47) e o Templo do Espírito (cf. 1 Cor 3, 16-17).
       Na Bíblia Sagrada, encontramos as imagens da Igreja ideal, uma Igreja co-anunciadora do Reino de Deus, porque coube a ela manter viva a Boa Nova anunciada por Jesus.   A Igreja ideal para mim é a que foi revelada por Deus no livro do Apocalipse, quando a qualifica com a imagem de esposa que, ao lado do Espírito que a conduz, chama quem está de fora para receber a água da vida, através de Nosso Senhor Jesus Cristo: “O Espírito e a Esposa dizem: ‘Vem!’ Que aquele que ouve diga também: ‘Vem!’ Que o sedento venha, e quem o deseja receba gratuitamente água da vida” (Ap 22, 17). Tomando essa revelação de esposa como premissa, encontramos a fidelidade como qualidade principal nesta união sacramental; nesta nova e eterna aliança.  
       Uma comunidade cristã deve espelhar-se, portanto, em quem a fundamentou: Jesus Cristo. Deve ser fiel ao seu modo de ser e agir. Jesus caminhava pelas estradas da Palestina, anunciando o Reino, curando, ensinando, acolhendo o irmão e louvando ao Pai, mantendo um contato profundo com Ele, através da oração. Assim deve ser, então, uma comunidade de fé comprometida com o projeto de vida eclesial cristã. 
       A pessoa humana de Jesus é de uma riqueza ímpar, porque nEle não houve a dicotomia que lhe impuseram depois; nEle, o humano e o divino integravam-se harmoniosamente. Assim deve ser a esposa, para poder superar os seus limites humanos. Em Jesus, a ação era mediada pela oração e a oração, pela ação. As ações das pessoas, numa comunidade de fé, sempre encontram muitos obstáculos e dificuldades inerentes às condições e às situações humanas. Sem a presença dinâmica do Espírito Santo, evocado através da espiritualidade pela oração e pelo louvor, uma comunidade tende a enfraquecer em seu serviço, tende a errar mais na sua prática. Além disso, a razão de ser da nossa fé é o Ressuscitado, o Cristo da fé, vivo e glorioso.
       A Ressurreição de Jesus alicerça a comunidade eclesial; porém antes de morrer, Ele fez questão de mostrar aos seus discípulos que viera para servir e não para ser servido (Jo 13, 1-10). Deve-se, portanto, evitar, na comunidade, a tentação de permanecer somente no louvor a Jesus Cristo, ignorando seu chamado para o serviço ao irmão. Essa prática denota o extremo oposto do ativismo, uma tendência igualmente perniciosa, na medida em que as pessoas terminam por estabelecer uma relação pessoal e egoísta com Deus, de “salvação” pessoal, desvinculando-se do compromisso com os irmãos e com a comunidade em geral.  
       Para que na Igreja não aconteça tal separação é necessário que haja uma conscientização das pessoas que a compõem, acerca da totalidade da pessoa de Jesus e fidelidade ao Seu modelo de vida e serviço. É fundamental que o fiel permita que a celebração da Eucaristia alimente o espírito da diaconia que deve permear a sua ação pastoral.
       As pessoas que participam de uma comunidade eclesial devem tentar alcançar um comportamento realmente cristão. Rezar e agir e agir rezando; louvar a Deus, servindo ao irmão; meditar a vida de Jesus colocando em prática os seus ensinamentos; participar da comunidade de fé construindo relações mais fraternas entre os membros das diversas pastorais. Manter um equilíbrio entre a ação e a oração, entre a teoria e a prática, relacionando-se permanentemente com Jesus Cristo, o Filho de Deus que se encarnou na História.  
       Para que isso seja possível, as atividades pastorais devem ser desenvolvidas sob a ação do Espírito Santo (Jo 16, 14-15), com os agentes e as agentes de pastoral se colocando como servos inúteis, fazendo o que devem fazer (Lc 17,10). Como afirmou João Batista "É necessário que ele cresça e eu diminua" (Jo. 3,29). Sendo assim, “a orgulhosa sabedoria humana” que “tende a substituir a sabedoria da cruz” (1Cor 1, 17. 2,16) não ocorrerá.
       E, para finalizar, no meu modelo de Igreja encontra-se a firme e fiel presença da Filha de Deus Pai, Mãe do Filho e Esposa do Espírito: Maria, com seu tríplice papel na História da Salvação, é a Estrela da Nova Evangelização. Presente nos momentos marcantes na vida de Jesus, Maria – primeira e mais fiel dos discípulos de Jesus – é o nosso modelo de apostolado no mistério de Cristo e da Igreja. Maria, ao compreender o anúncio do anjo fez-se serva e disse sim a Deus (cf. Lc 1, 26-38), colocou-se logo a serviço da prima (cf. Lc 1, 39-45), profetizou a missão do Filho (Lc 1, 46-55), preocupou-se com ele e educou-o (cf. Lc 2, 46-52), intercedeu por nós junto a Ele nas bodas de Caná (Jo 2, 1-12), sofreu firme no Gólgota, aos pés da cruz (Jo 19, 25-27), esteve presente na Igreja nascente (At 2, 1-4), e estará sempre “como sinal da esperança segura e do conforto para o povo de Deus em peregrinação até que chegue o Dia do Senhor (cf. 2 Ped 3, 10)” (Lumen Gentium 159. 68).

Se nós, que somos o Povo de Deus, agirmos assim como Nossa Senhora, observando os acontecimentos e os ensinamentos relacionados a Jesus – meditando-os em nosso coração – (cf. lc 2, 19), se formos, enfim, fiéis à Revelação, teremos o que posso sintetizar como Igreja ideal, a que foi reanunciada pela Constituição Dogmática Lumen Gentium sobre a Igreja: servidora da humanidade e missionária.

Por Daniel G. Ribeiro

                        

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