Como o evangelho de João apresenta Jesus Cristo?


Faremos uma pequena apresentação sobre o cumprimento da promessa de Deus, agregando algumas passagens da Carta aos Hebreus ao evangelho de João, a fim de trilharmos a ação de Jesus em resposta aos anseios da sociedade vivida na época em que este evangelho foi escrito.
Pela fé, sabemos que a Palavra de Deus formou os mundos; foi assim que aquilo que vemos se originou de coisas invisíveis. No começo a Palavra já existia: a Palavra estava voltada para Deus e a Palavra era Deus. A Palavra estava no mundo, o mundo foi feito por meio d'Ela, mas o mundo não A conheceu. Ela veio para a sua casa, mas os seus não A receberam. Ela, porém, deu o poder de se tornarem filhos de Deus a todos aqueles que A receberam, isto é, àqueles que acreditam no seu Nome (cf. Hb 1, 3; Jo 1, 1; Jo 1, 10 - 12).
Por causa da fé, os antigos foram aprovados por Deus; estes não nasceram do sangue, nem do impulso da carne, nem do desejo do homem, mas nasceram de Deus; e foram aprovados por causa da fé que tinham; mas nenhum deles alcançou a promessa. Deus, então, preparou-nos algo melhor, uma luz verdadeira, aquela que iluminaria todo o homem, a fim de que conhecêssemos a perfeição e fosse, por nós, alcançada a promessa; porque a Lei já havia sido dada pelos antigos, mas o amor e a fidelidade só viriam através de Jesus Cristo: a Palavra que se fez Homem e habitou entre nós (cf. Hb 1, 2; Hb 11, 39 - 40; Jo 1, 1 - 17).
A partir desta apresentação daremos início à performance de Jesus pelo olhar do evangelho Joanino, como Ele age, ensina e reza, dando ênfase à verdade que o texto, em si, quer nos passar, ou seja, a natureza divina de Nosso Senhor Jesus Cristo. Nesta reflexão não falaremos, separadamente, dessas três performances, mas, sim, da suas propostas centrais que nos levam à certeza de que este evangelho foi escrito para que todos cressem que Jesus é o Cristo, filho de Deus, e para que, crendo, tivessem a vida em seu nome (Jo 20, 31).
O Evangelho de João não se interessa, como os sinóticos, em apresentar os fatos históricos, a priori; mas, em nos mostrar, através dos sinais, a sociedade doente em que vivemos; e, acima de tudo, que a verdade de Jesus é a cura para todos os males.
Nas Cartas Paulinas nos são apresentados caminhos para que possamos compreender os evangelhos, sobretudo o evangelho de João; A Carta aos Coríntios nos diz que "o homem natural não compreende as coisas do Espírito de Deus, porque lhe parece loucura; e não pode entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente" (I Cor 2,14); porém, afirma-nos que, através do Cristo, Aquele que nos ensinou a Palavra, a partir da sabedoria divina, nos revela esta compreensão (cf. 2 Cr 3, 4 – 5).
Os evangelhos nos descrevem Jesus ensinando nos templos, nas sinagogas (Mt 4,23; Mc 1,21; Lc 4,15; Jo 18, 20), nas montanhas (Mt 5,1-2), nas ruas das cidades (Mt 11,1), nas praias (Mc 2,13), nas barcas (Mc 4,1; Lc 5,3), nos povoados (Mc 6,6; Lc 13, 22), em lugares desertos e afastados (Mc 6,32 - 34), pelas estradas (Mc 8,31), nas casas (Mc 9,31), no meio das multidões (Mc 10,1), em todos os lugares, mas é no Evangelho de João, capítulo 18, versículo 20, que encontramos a passagem em que Jesus resume toda esta sua prática dizendo ao sumo sacerdote: “Eu falei abertamente ao mundo. Eu sempre ensinei nas sinagogas e no Templo, onde todos os judeus se reúnem. Não disse nada em segredo”. Esta é a maravilha que esse evangelho nos aponta: Jesus falou a verdade para o mundo, tirando-nos da ingenuidade e libertando-nos para a verdadeira vida.
O verbo ensinar vem do latin in signare, que quer dizer imprimir um sinal profundo, ou seja, “marcar profundamente”. Esta é a proposta central do evangelho de João: marcar profundamente uma sociedade que, provavelmente, naquele momento, passava por um grande período de perseguição e angústia. Os sinais são parte essencial no processo de evangelização daquele povo. Podemos correlacionar cada milagre com as carências espirituais existentes naquela época e, ainda, muito presentes nos dias de hoje.
O primeiro sinal é o vinho novo em uma festa de casamento. O vinho é sinônimo de alegria para aquele povo; pode ser compreendido como a presença da Palavra de Deus que, até então, era traduzida em leis e profecias; o casamento pode ser compreendido como a relação do homem com Deus; dessa forma, podemos acreditar que o povo precisava de uma nova aliança, pois aquela já estava se esgotando. Podemos ir mais além, crendo que o povo, por encontrar-se tão descrente com o antigo sistema, estava disposto a se entregar a qualquer “vinho” que lhe dessem. Eis que vem a surpresa, o vinho era bom, da melhor qualidade; aquele que seria apresentado não só como a nova, mas a eterna aliança; a fonte inesgotável de vida e alegria; a luz do mundo.
O segundo sinal vem justamente avisar aos judeus que Jesus é esta fonte de vida inesgotável que se estabelece na vida de quem o aceita. Com a cura do filho do funcionário do rei, Jesus ampliava, ainda mais, seu ministério salvífico ampliando seu círculo comunitário. Os samaritanos já haviam o aceitado, agora os pagãos e as suas famílias; por outro lado, o “seu povo”, tido eleito, ainda o negava; esta atitude vem demonstrar que a proposta cristã rompe com qualquer lei e tradição em favor vida, mostrando-nos que o Cristo é próprio manifesto da glória de Deus pela liberdade; Jesus é o amor sem fronteiras.
O terceiro sinal apresenta um homem que, através da piscina sagrada, esperava uma cura há trinta e oito anos. A piscina pode ser compreendida como a antiga lei, que dá benefício de cura para poucos. De outra forma, Jesus é o poço apresentado a Samaritana, onde brota a água viva, verdade que liberta o povo da sua “paralisia social”. Jesus é quem parte o véu do templo, ou seja, abre as portas do Reino de Deus para quem quiser seguir; pois as Leis não estão mais, apenas, sob a interpretação dos levitas. Jesus é o novo Caminho.
Mahatma Gandhi, líder hinduísta, um grande homem do nosso tempo, fez uma declaração que se aproxima muito do milagre dos pães; Gandhi disse, certa vez, que a terra possui recursos suficientes para prover às necessidades de todos, mas não à avidez de alguns. Analogicamente, podemos creditar esta afirmação como uma boa tradução para o quarto sinal de João, em que Jesus nos orienta à verdadeira partilha, ensinando-nos a receita do pão de cada dia, assim como foi dado para os antigos a regra para o consumo do maná; Jesus deixa claro que a fome é produto de uma sociedade injusta.
Seja batendo o cajado forte, girando a funda ou andando sobre as águas profundas, o importante, nestas passagens, não é a capacidade humana, quer seja, científica, física ou sobrenatural, de romper com os limites da natureza, mas nos mostrar que, através da fé e da sabedoria, somos levados a transcender os nossos próprios limites humanos no âmbito social. Quem viu a Deus já não se importa com os milagres que sobrepõem a própria “ordem natural das coisas”, mas a experiência verdadeira que estas passagens, através dos milagres, querem nos revelar. A revelação de Deus nunca irá fugir do seu desejo maior que é a instauração do Seu Reino de Amor entre nós. Jesus Cristo é essa luz, que nos tira das trevas, que nos afasta das contendas, quer sejam espirituais ou sociais, fazendo-se alimento eterno para nós, a fim de que possamos seguir nosso caminho junto ao Pai, confiantes e livres. Dessa forma, compreendemos o quinto sinal.
O sexto sinal é marcado pela cura do cego de nascença. Jesus explica aos seus discípulos que não importa o motivo pelo qual aquele homem nasceu cego, mas a experiência de vida que aquela deficiência irá proporcioná-lo. A passagem relata a cura através da fé que, visto pelo ponto de vista social, é aquela que nos faz transcender as nossas próprias limitações. Podemos dar um amplo sentido para esta passagem, porém, iremos salientar, aqui, o romper de um paradigma social onde politizar o outro, no sentido mais correto da palavra, é orientá-lo acerca dos seus verdadeiros direitos enquanto homem; direitos que vinham sendo negados por participar de uma sociedade injusta; condenada. Para enriquecer esta linha de raciocínio não podemos deixar de mencionar a palavra Siloé, que significa “O Enviado”, tanque onde o cego lavou seus olhos “para que fosse curado”. Nesta passagem, Cristo, a partir da leitura que o livro do Gênesis faz da criação do homem, modela, no barro, novos olhos para aquele homem. Assim como Deus nos modelou do barro e nos insuflou, pelas narinas, com Seu espírito, Jesus modela os olhos do cego e pede para que ele, em seguida, lave-os no seu Espírito, ou seja, à sombra do seu ensinamento.
O sétimo sinal; Jesus atendeu ao pedido das irmãs de Lázaro, pois “um amigo que ama em qualquer tempo é um irmão no dia do perigo” (Pr 17,17); Jesus os amava. A Palavra diz que Lázaro dormiu, mas depois cita o vocábulo morte. Na primeira carta aos Tessalonicenses, capítulo 4, versículo 13, Paulo diz: "não queremos, irmãos, que estais na ignorância acerca dos que dormem, para que não vos entristeçais como os outros, que não têm esperança" (1 Ts 4, 13). Observando o texto de forma denotativa concluímos que o não conhecimento do verdadeiro ministério de Jesus, por parte dos personagens envolvidos nesta passagem, é que lhes provoca tamanho desespero e inconformação diante do “repouso do corpo” de Lázaro. Contudo, como o propositado nesta reflexão, direcionaremos a leitura deste sinal para um ponto de vista conotativo da morte, a partir da visão daquele povo. A morte, na Palavra de Deus, aponta, também, para uma sociedade sem expectativas, pessoas “cegas”, “escravas” ou simplesmente ressalta aquilo que já passou:

“(...) aquele que não nascer de novo, não verá o reino dos céus (...) Siga-me, e deixe que os mortos sepultem os seus próprios mortos (...) Vocês estavam mortos em suas transgressões e pecados (...) todavia, Deus deu-nos vida com Cristo (...)” (cf Ef 2, 1 - 5; Jo 3,1-21; Mt 8, 22)

O cerne da ressurreição de Lázaro está nas palavras de Cristo a respeito da verdadeira vida: "Quem ouve a minha palavra, e crê na­quele que me en­viou, tem a vida eterna e não entrará em condenação, mas pas­sou da morte para a vida. Em verdade vos digo que vem a hora, e agora é, quando os mortos ouvirão a voz do filho de Deus, e os que a ouvirem viverão" (Jo 5, 24 -25).
Para falarmos especificamente da atuação de Jesus enquanto mestre, ou seja, sua tendência pedagógica, sua forma de ensinar e agir, se faz mais presente utilizarmos os evangelhos sinóticos, pois a essência do Evangelho de João não está tão voltada a essas questões, mas em nos fomentar ao alimento sólido, sabermos que Deus amou o mundo de tal forma que entregou o seu filho único, para que todos que acreditassem nele não morressem, pelo contrário, através de Jesus alcançassem a vida eterna. Deus nos deu Seu filho e a justiça esteve entre nós, e não foi aceita por todos, pelo contrário, foi submetida e entregue à cruz;

(...) “então um dos soldados abriu-lhe o lado com uma lança e, imediatamente, saiu sangue e água”. Eis o nosso chamado em Cristo Senhor: compreender e vivenciar esta oferta feita por amor e pela remissão das nossas culpas, entrega d’Aquele que, pelo sangue derramado, nos libertou para que fôssemos verdadeiramente livres, e, assim, pudéssemos com toda segurança “entrar no santuário” e conhecer a Verdade; esta que tem como princípio nossa relação plena de amor com Deus que, segundo Nosso Senhor Jesus Cristo, não se dá fora da caridade (RIBEIRO, 2010a).

Estes sinais foram escritos para que nós creiamos que Jesus é o Messias que estava por vir; o Filho de Deus; o Pão da Vida; a Luz do Mundo; Bom Pastor; a Ressurreição: o Caminho, a Verdade e a Vida; a Videira Verdadeira; e para que, acreditando, tenhamos a vida em Seu nome.
Para concluirmos esta reflexão, em honra aos ensinamentos do Mestre e Salvador Jesus Cristo, citaremos sua oração sacerdotal: "Não rogo somente por estes, mas também por aqueles que vierem a crer em Mim, por intermédio da Sua palavra; a fim de que todos sejam um; e como és Tu, ó Pai, em Mim e Eu em Ti, também sejam eles em Nós; para que o mundo creia que Tu Me enviaste” (Jo 17, 20 – 21).

Por Daniel Gomes Ribeiro

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