Ética, uma práxis especificamente humana
A práxis pode ser refletida
como uma ação especificamente humana a partir do momento em que o teor central
da reflexão ética, ou seja, do discernimento ou definição de valores ou
contravalores, é a própria ação humana. Por esse motivo a práxis designa, antes
de tudo, a ação especificamente humana.
A práxis de Jesus tem sua origem no Ethos (Aliança com Javé) e na Ética
(Leis de Moisés) encontrados no Antigo Testamento.
Contudo, é a nova
“interpretação” dessa ética que torna a Boa Nova de Cristo uma prática
libertadora revelando o verdadeiro e profundo amor de Deus por todos os seres
humanos. Não podemos dizer, por isso,
que Jesus, intencionalmente, construiu uma nova ética; em verdade ele dinamizou
a ética existente, fato que acabou por gerar uma nova moral.
Observamos, claramente, essa
relação no Evangelho de Mateus, quando ele diz: “Não pensem que vim destruir a
lei ou os profetas: não vim destituí-la, mas sim, dar pleno cumprimento” (Mt 5,
17). Observamos que ele não muda a ética, ou seja, os valores basilares
instaurados por Moisés. Contudo, nos versículos seguintes ele diz: “Vocês
ouviram o que foi dito aos antigos (...) Porém, eu vos digo” (Mt 5, 21-22).
Nesses últimos versículos percebemos uma dinamização da ética encontrada nos
mandamentos, ou seja, uma nova interpretação da lei; uma nova forma de perceber
e vivenciar os valores mosaicos.
Assim como Jesus com a sua
religião, o ser humano e o mundo estão em contínua relacionalidade e interação;
e foi dentro dessa relação viva que Jesus observando os rumos do Judaísmo e das
religiões que o cercavam, inconformado diante àquela realidade, sentiu-se na
obrigação de modificá-las, transformá-las. Esse dinamismo é marcante, também,
no Evangelho de João. Segundo João, nos é assegurado por Jesus que aquele que
acreditar na sua Verdade, fará tudo que ele fez, e ainda coisas maiores (Jo 14,
12). Essa passagem nos mostra a importância da compreensão, por parte do ser
humano, de saber-se inacabado. Paulo Freire diz que essa percepção é fruto da
humildade, pois o sujeito compreendendo-se inacabado avança. O novo “ultrapassa” o velho, e lá na frente,
envelhecendo, permite-se ser “ultrapassado”; uma dinâmica sublime.
Paulo Freire, no seu livro
“A Pedagogia da Autonomia” (1999, pag. 31), diz que:
O Professor que pensa certo deixa
transparecer aos educandos que uma das bonitezas de nossa maneira de estar no
mundo e com o mundo, como seres históricos, é conhecer o mundo. Mas, histórico como nós, o nosso conhecimento
do mundo tem historicidade. Ao ser produzido, o conhecimento novo supera o
outro que antes foi novo e se fez velho e se ”dispõe” a ser ultrapassado por
outro amanhã.
Por isso não apenas se faz necessário, mas é fundamental ter tanto
conhecimento do “saber” passado, quanto estar aberto para novos saberes. O
primeiro grande passo para essa corrida é assumirmos uma postura ética
aceitando-nos enquanto seres inacabados.
Percebemos, através dessa reflexão, que o ser humano é autor da sua
história, podendo, assim, transformá-la ou não; e que todo conhecimento humano
é, em síntese, epistemológico, ou seja, parte, também, de uma mediação entre o
“velho” e o “novo”.
Jesus de Nazaré reconhecendo
esse inacabamento não se fechou em sua própria subjetividade quer seja
religiosa ou cultural, mas, inconformado, assumiu em sua vida e nos convidou,
também, a assumir a dinâmica de um amor que transforma e liberta; o Ágape, que
nos ensina a viver em abundância e a buscar, sempre, um novo sentido em nossa
existência.
De acordo com Freire
(Pedagogia da Autonomia p.47 e 48), nós não podemos esgotar nossa prática
“discursando sobre a Teoria da não extensão do conhecimento”. Não podemos fazer
belos discursos, assim como era a prática farisaica nos tempo de Jesus, sobre
“as razões antológicas, epistemológicas e políticas da Teoria”.
Nosso discurso deve ser a
própria prática da teoria, a “sua encarnação”. Dessa forma, nossa pastoral,
família e trabalho devem, primeiramente, espelhar essa dimensão do Evangelho de
Jesus, compreendendo que a grande virtude da prática cristã se dá, justamente,
na aproximação entre o que lemos, o que pregamos e o que praticamos e, na
dinâmica necessária, para que essa engrenagem funcione plenamente.
Por Daniel G. Ribeiro
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